Conscientização e engajamento social são a chave para o cumprimento de políticas públicas em prol dos pacientes
Por Vanessa Arba
27 de outubro de 2020
As doenças falciformes estão entre as patologias hereditárias mais recorrentes no Brasil, com cerca de 3.500 novos casos a cada ano, segundo dados do Programa Nacional de Triagem Neonatal. A ocorrência delas varia entre as regiões, sendo maior em localidades que receberam grande contingente de africanos no período da colonização; isso porque o gene causador dessas doenças é originário de regiões específicas da África. No entanto, com a população brasileira cada vez mais miscigenada, elas podem acometer pessoas de qualquer raça ou território.
No Brasil, a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias é responsável por gerir as iniciativas públicas neste sentido. O dia 27 de outubro foi estabelecido como uma data para memorar a luta pelos direitos desses pacientes. Para o cientista Wellington Silva, essa causa precisa da conscientização e do engajamento de toda a sociedade. “Hoje sabe-se muito sobre essas doenças. Porém, esse conhecimento ainda não foi totalmente traduzido em benefícios para a população; pessoas ainda morrem em decorrência delas por falta de atendimento”, aponta.
Silva é doutor em genética, e dedicou 19 anos ao estudo de doenças falciformes e ao trabalho em prol da qualidade de vida de pacientes na região do Recôncavo baiano. Também tem propagado este conhecimento em palestras e entre os alunos da área de saúde da Faculdade Adventista da Bahia (Fadba), onde lecionou e desenvolveu a maior parte das suas pesquisas. Em entrevista à Agência Adventista Sul-americana de Notícias, ele esclarece alguns pontos sobre essas doenças. Acompanhe:
O que são doenças falciformes?
Elas são um conjunto de cerca de 12 patologias, dentre as quais a mais conhecida é a anemia falciforme. Essas doenças são caracterizadas pela presença de uma hemoglobina [proteína presente nas hemácias, responsável pela coloração vermelha do sangue e pelo transporte de oxigênio no organismo] mutante chamada Hemoglobina S. Essa mutação leva à deformidade das hemácias, que adquirem a forma de foice; daí o termo “falciforme”. Isso dificulta o fluxo destas células, resultando numa série de consequências relacionadas ao déficit na função sanguínea.
Como elas são adquiridas?
São doenças genéticas e hereditárias. Falando especificamente da anemia falciforme, que é a mais comum deste grupo, é necessário que o indivíduo herde a mutação do pai e da mãe. Se receber esse gene de apenas um dos genitores, não desenvolverá a doença; apenas terá o traço falciforme, podendo transmiti-lo aos seus descendentes.
Como elas se manifestam? Quais são os sintomas?
O paciente com doença falciforme tem um quadro clínico bastante exuberante. Os sintomas começam a se manifestar a partir do sexto mês de vida, que é quando a hemoglobina fetal diminui e a hemoglobina mutante passa a prevalecer. A criança começa a ter crises intervaladas de dores. A deficiência no fluxo sanguíneo leva à isquemia, podendo comprometer diversos órgãos e tecidos. Se esse dano ocorre no fígado, por exemplo, pode resultar em icterícia [coloração amarela da pele e/ou olhos causada pela alta concentração de bilirrubina na corrente sanguínea]. Já a isquemia cerebral pode ocasionar a diminuição da capacidade cognitiva e acidentes vasculares graves.
Pequenos infartos também são comuns. A concentração de hemácias nos vasos sanguíneos mais finos pode resultar em dactilite, que é o inchaço das extremidades – como os dedos das mãos e pés. Também pode acontecer o sequestro esplênico, que é o represamento de grande quantidade de sangue no baço, causando inchaço e dores no abdômen. O sistema imunológico enfraquece, tornando o paciente mais suscetível a infecções – e por essa razão, é fundamental que, nesse período de pandemia, o paciente esteja em isolamento. Estes são apenas alguns dos vários sintomas que podem ocorrer em pessoas com doenças falciformes.
Como se dá o diagnóstico?
A anemia falciforme é identificada pelo famoso teste do pezinho, que é obrigatório para todo recém-nascido no Brasil. Se este exame identificar os traços da doença, a família é acionada para que se faça um novo exame – a eletroforese de hemoglobina – para confirmação. O diagnóstico correto é imprescindível para que o indivíduo possa se valer dos seus direitos e receber do Estado o devido suporte para ter qualidade de vida.
As doenças falciformes têm cura?
A única possibilidade de cura conhecida hoje é por meio do transplante de medula, sendo que o doador precisa ser irmão do paciente e compatível com ele.
E tratamento?
É possível realizar o autocuidado para amenizar os efeitos da doença. A primeira coisa a destacar é a hidratação; ingerir bastante líquido dará mais fluidez ao sangue. A segunda é manter a vacinação em dia, já que o indivíduo é mais suscetível a infecções. O terceiro cuidado é a suplementação contínua de ácido fólico. E é dever do Estado prover tudo isso ao paciente com doença falciforme, inclusive vacinas específicas que não estão no programa geral de vacinação. Fora esses cuidados, se o paciente tiver crises agudas dos sintomas da doença ou qualquer sinal de infecção, como febre, precisa buscar rapidamente um médico.